quarta-feira, 5 de setembro de 2012

 
 
 



OSLO, 31 DE AGOSTO

Um filme de Joachim Trier, protagonizado por Anders (Anders Denielsen Lei), um jovem toxicodependente que, aproveitando a saída de um centro de desintoxicação para ir a uma entrevista de trabalho, se vê confrontado com uma realidade à qual não consegue resistir.

Muitas são as perspectivas possíveis sobre este magnífico filme, contudo vale a pena focar duas ou três.

 1.

A primeira a merecer destaque talvez seja a que se prende com a realização. Uma narrativa única, centrada no seu protagonista e naquilo que este vai vivendo ao longo do seu dia. A esta aparente simplicidade juntam-se, ainda, a ausência de uma banda sonora, um guarda-roupa neutro e um conjunto de diálogos sem pretensões filosóficas, onde aquilo que é preciso dizer diz-se prontamente.

Mas a simplicidade é apenas aparente, porque raramente um realizador consegue uma posição tão neutra como a do protagonista, e neste sentido a história que se conta surge como uma espécie de problema matemático que espera solução, mas para o qual o próprio realizador acaba por não propor um desfecho.

 
2.

Assim, o filme reveste-se de um carácter trágico – note-se, aliás, que não seria de desprezar a adaptação deste argumento ao teatro -, pontuado por vários indícios que vão isolando o protagonista sobre si próprio, deixando-lhe cada vez menos espaço para se relacionar com os outros. E aqui reside um dos núcleos centrais desta história: será que Anders quer, afinal, relacionar-se com os outros sem conseguir ou há motivações endógenas que o levam a afastar-se progressivamente, cortando os laços e destruindo as pontes que o conduziriam ao mundo em geral? Se juntarmos a esta pergunta a de Joachim Trier: “Tínhamos obrigação de ser felizes. Porque é que não somos?” talvez consigamos completar um pouco o sentido da mensagem que se pretende transmitir.  

Fruto de alguns excessos provenientes de uma rápida melhoria das condições de vida, a geração dos trinta anos é hoje, na Europa, uma das gerações mais problemáticas, porque muitos jovens tiveram tudo aquilo que desejavam sem terem que trabalhar para isso. Este parece ser o caso de Anders, a quem aparentemente nada falta, e que pouco parece ter a conquistar. A entrada no mundo das drogas é, talvez, um pretexto para ocultar uma realidade mais dura que passa pela incapacidade do indivíduo se realizar como pessoa, como cidadão, porque não vê nisso, porventura, um interesse comparável ao do objecto material. Anders chega, até, a focar esta questão, no princípio do filme, quando refere ao amigo que o principal problema não será a heroína, mas antes algo mais profundo.

 
3.

A incapacidade para ser feliz – porque sempre havia considerado as pessoas felizes como imbecis – conduz o protagonista para um beco sem saída, para o qual ninguém o atira se não ele próprio. Note-se que há, da parte deste personagem, um comportamento de afastamento evidente: é assim na entrevista de emprego ou na cena da piscina em que prefere observar de fora os amigos que se lançam à água. Pelo contrário, a acção das restantes personagens, ao longo do filme, pauta-se pela integração espontânea do protagonista nos diversos acontecimentos que vão surgindo.

É assim o destino de Anders: observar de fora os que estão dentro. Ou seja, não prescinde do seu eu para se dar/relacionar com os outros. Contudo, fica no ar a questão: esse afastamento é endógeno como, aliás, parece ou, pelo contrário, há uma incapacidade para construir o seu lugar no mundo, um lugar a partir do qual consiga estar e relacionar-se com esse mesmo mundo?

Por outro lado, não será menos interessante servirmo-nos desta questão para reflectirmos sobre outra: não será este filme uma tentativa de exortar à alteração do olhar que temos, em regra, sobre o toxicodependente?

A toxicodependência, à semelhança de outras patologias, necessita, porventura, de uma reintegração mais responsável na sociedade, onde o indivíduo tem de estar preparado para arrostar com os desafios sucessivos de uma sociedade em mudança constante. Posto isto, será irreal pensar que o mundo acolhe as diferenças e os problemas alheios e mais irreal, ainda, andar à procura de compaixão como Anders.

1 comentário:

  1. Boa noite,
    Hoje a alguns minutos atrás, acabou de dar este filme na RTP1 e para ser sincero, não podia estar mais de acordo com a analise que fez do filme realmente parece ser isso que acontece.

    O problema pode não estar no facto de ser toxicodependente mas antes sim pela sua personalidade que apesar de inteligente era uma pessoa que se isolava e que prefere ficar de fora a ver o mundo à sua volta em vez de participar ou fazer parte dele.

    O facto de ter acabado de sair da reabilitação com os seus 34 anos lhe tenha dado a sensação de que desperdiçou a sua vida e que agora não saberia ou não teria a capacidade de recomeçar de novo se sentiria à deriva em busca do sentido da vida a partir daquele momento. Fora a parte em que ele fala da sua educação em que se refere ao pai que lhe dava uma educação rígida e que segundo a sua família ser religioso era sinonimo de fraqueza. Ou seja talvez a família não lhe tenha dado uma boa base...

    Se ele tivesse sido um pouco mais paciente ou compreensivo na entrevista de trabalho, ele teria tido uma reacção diferente e talvez isso pudesse (fosse o click) mudar a sua vida para melhor e não sairia da maneira que saiu da entrevista (por que pareceu que apesar do seu passado da a sensação que o homem estaria interessado no seu trabalho), mas talvez o medo de o julgarem por ser ex-toxicodependente tenha falado mais alto.

    A falta de sonhos e objectivos pessoais/profissionais podem também ter determinado ao fim trágico, bem como a própria sociedade/localização (apesar de ser um país lindo) por ser um local melancólico sem animação e sombrio, tenha ajudado.

    Mas sente se claramente uma desmotivação do Anders pela vida em geral.

    E como você disse, o facto de viver numa sociedade "perfeita" em que nada lhe falta, ter conduzido ao desinteresse pela vida, pois não haveria nada mais a conquistar e assim ter encontrar um desfecho trágico. Não é por acaso que nos países nórdicos há uma elevada taxa de suicídios.

    É realmente interessante (mas triste) observar que em países onde a qualidade de vida é superior à da maioria dos países, existam pessoas com problemas semelhantes ao da personagem do filme. Afinal de contas a utopia não existe.
    Cabe a nós mesmos procurar e lutar para conseguir aquilo que queremos.

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