OSLO, 31 DE
AGOSTO
Um filme de
Joachim Trier, protagonizado por Anders (Anders Denielsen Lei), um jovem
toxicodependente que, aproveitando a saída de um centro de desintoxicação para ir
a uma entrevista de trabalho, se vê confrontado com uma realidade à qual não
consegue resistir.
Muitas são
as perspectivas possíveis sobre este magnífico filme, contudo vale a pena focar
duas ou três.
A primeira a merecer destaque talvez seja a
que se prende com a realização. Uma narrativa única, centrada no seu
protagonista e naquilo que este vai vivendo ao longo do seu dia. A esta
aparente simplicidade juntam-se, ainda, a ausência de uma banda sonora, um
guarda-roupa neutro e um conjunto de diálogos sem pretensões filosóficas, onde
aquilo que é preciso dizer diz-se prontamente.
Mas a simplicidade é apenas aparente, porque
raramente um realizador consegue uma posição tão neutra como a do protagonista,
e neste sentido a história que se conta surge como uma espécie de problema
matemático que espera solução, mas para o qual o próprio realizador acaba por
não propor um desfecho.
Assim, o filme reveste-se de um carácter
trágico – note-se, aliás, que não seria de desprezar a adaptação deste
argumento ao teatro -, pontuado por vários indícios que vão isolando o
protagonista sobre si próprio, deixando-lhe cada vez menos espaço para se relacionar
com os outros. E aqui reside um dos núcleos centrais desta história: será que
Anders quer, afinal, relacionar-se com os outros sem conseguir ou há motivações
endógenas que o levam a afastar-se progressivamente, cortando os laços e
destruindo as pontes que o conduziriam ao mundo em geral? Se juntarmos a esta
pergunta a de Joachim Trier: “Tínhamos obrigação de ser felizes. Porque é que
não somos?” talvez consigamos completar um pouco o sentido da mensagem que se
pretende transmitir.
Fruto de alguns excessos provenientes de uma rápida
melhoria das condições de vida, a geração dos trinta anos é hoje, na Europa,
uma das gerações mais problemáticas, porque muitos jovens tiveram tudo aquilo
que desejavam sem terem que trabalhar para isso. Este parece ser o caso de
Anders, a quem aparentemente nada falta, e que pouco parece ter a conquistar. A
entrada no mundo das drogas é, talvez, um pretexto para ocultar uma realidade
mais dura que passa pela incapacidade do indivíduo se realizar como pessoa, como
cidadão, porque não vê nisso, porventura, um interesse comparável ao do objecto
material. Anders chega, até, a focar esta questão, no princípio do filme,
quando refere ao amigo que o principal problema não será a heroína, mas antes
algo mais profundo.
A incapacidade para ser feliz – porque sempre
havia considerado as pessoas felizes como imbecis – conduz o protagonista para
um beco sem saída, para o qual ninguém o atira se não ele próprio. Note-se que
há, da parte deste personagem, um comportamento de afastamento evidente: é
assim na entrevista de emprego ou na cena da piscina em que prefere observar de
fora os amigos que se lançam à água. Pelo contrário, a acção das restantes
personagens, ao longo do filme, pauta-se pela integração espontânea do
protagonista nos diversos acontecimentos que vão surgindo.
É assim o destino de Anders: observar de fora
os que estão dentro. Ou seja, não prescinde do seu eu para se dar/relacionar
com os outros. Contudo, fica no ar a questão: esse afastamento é endógeno como,
aliás, parece ou, pelo contrário, há uma incapacidade para construir o seu
lugar no mundo, um lugar a partir do qual consiga estar e relacionar-se com
esse mesmo mundo?
Por outro lado, não será menos interessante
servirmo-nos desta questão para reflectirmos sobre outra: não será este filme
uma tentativa de exortar à alteração do olhar que temos, em regra, sobre o
toxicodependente?
A toxicodependência, à semelhança de outras
patologias, necessita, porventura, de uma reintegração mais responsável na
sociedade, onde o indivíduo tem de estar preparado para arrostar com os
desafios sucessivos de uma sociedade em mudança constante. Posto isto, será
irreal pensar que o mundo acolhe as diferenças e os problemas alheios e mais
irreal, ainda, andar à procura de compaixão como Anders.